Cada vez mais, jovens que antes frequentavam baladas, consumiam álcool e até drogas estão trocando esses hábitos pelo prazer da corrida. Essa mudança de comportamento não se trata apenas de uma nova tendência fitness, mas de uma busca por um bem-estar profundo e duradouro. Mas por que a “Runner’s High” — ou “Onda da Corrida” — se tornou tão viciante? E como essa transformação está impactando a saúde e a vida social dessa geração?
A “Onda” da Corrida: a brisa é boa?
Quem pratica corrida conhece bem aquela sensação de euforia que aparece durante e após o exercício, a chamada Runner’s High. Esse fenômeno é causado pela liberação de endorfina, um neurotransmissor que age como um analgésico natural, proporcionando uma sensação de prazer, reduzindo o estresse e a ansiedade. A ciência já comprovou que correr pode, de fato, proporcionar uma “onda”, só que de uma forma saudável e sem os efeitos colaterais.
Esse fenômeno, como explica a apaixonada por corrida, Camilly Torso, de 25 anos, estudante de medicina da UFMT, em Sinop (MT), vai além do aspecto físico: “Fisiologicamente, a corrida é um esporte capaz de liberar b-endorfinas logo que você aquece, mas quando a praticamos por períodos mais longos, aí tem uma chuva enorme de neurotransmissores que trazem uma sensação de prazer indescritível. Acho que foi quando comecei a evoluir e correr distâncias maiores que me apaixonei mesmo pela corrida. Criei um vício pelo Endurance, e mudei 100% de estilo de vida.”
Edvan Neves, de 27 anos, sabe muito bem o que é essa sensação. Coordenador de dados e tecnologia, ele trocou as baladas, o álcool e as drogas pela corrida nos últimos meses. “Tenho voltado para casa sempre muito cedo dos rolês porque o meu final de semana é sempre sagrado, eu vou correr no sábado e no domingo.”, explica.
A nova rotina de Edvan envolve treinos às 6 ou 7 horas da manhã, um compromisso tão sério que seus amigos até estranham: “Eles me perguntam: nossa o que é isso? Aí eu falo: amanhã é meu compromisso com a corrida, então tchau.”
Essa “onda” é comparável, segundo Edvan, à euforia gerada por substâncias como álcool e drogas. “Para mim, não existe sensação melhor do que correr e poder falar: Meu Deus, bati essa cronometragem que precisava. Isso me dá uma sensação de prazer muito gigante.”
A Runner’s High vai te pegar!
O hábito de correr está transformando os estilos de vida de muitos jovens. Um estudo da American College of Sports Medicine mostrou que a prática regular de exercícios físicos está associada a uma redução no consumo de substâncias entre jovens de 18 a 25 anos.
No Brasil, essa tendência também é visível. Dados do IBGE mostram que o número de jovens praticantes de atividades físicas aumentou 20% na última década, e a corrida de rua está entre as preferências.
Para Camilly, o prazer da corrida começou a se intensificar à medida que os treinos aumentavam. Ela descreve a sensação pós-corrida como algo além do prazer imediato. “Acho que cada treino proporciona sensações diferentes. Mas no geral sou apaixonada pela sensação de dever cumprido, de bem-estar da corrida. Para mim, é um prazer muito mais gostoso e duradouro do que o uso de álcool, e afins”.
A estudante de medicina completa: “O prazer da corrida não passa no momento que você termina o treino, ele permite que você leve essa sensação ao longo do dia todo. Além disso, tenho TEA e TDAH, naturalmente minha mente é um turbilhão, quando corro sinto que tudo se alinha, é como se conseguisse pensar com clareza. Isso me traz muita paz e alívio da ansiedade.”
Trocando a noite pelo dia
Arthur Tenório, de 27 anos, também é um exemplo claro dessa transição. Ele trocou o estilo de vida noturno pelas corridas diárias e sente os efeitos da Runner’s High. “Eu comecei a perceber que a corrida dava uma sensação semelhante ao álcool ou a maconha justamente quando a chavinha virou, quando eu comecei a correr para sair do sedentarismo e ter uma vida mais ativa”, relata Arthur.
Para ele, essa mudança foi uma virada completa na vida. “Eu tinha um lifestyle totalmente noturno, balada, bebida, drogas e isso foi completamente afetado pelo hábito da corrida “.
A Corrida Como Estilo de Vida
Mais do que um exercício físico, a corrida está redefinindo o comportamento social dos jovens que descobriram a Runner’s High. O que antes era uma noite de festa regada a bebidas, agora se transforma em uma manhã de treino ou em encontros em parques para correr em grupo.
Edvan participa de várias comunidades de corrida, como o City Runners, que corre pelas ruas do centro de São Paulo. “Eu estou em várias comunidades e grupos de corrida. Eu sou viciado em fazer parte. Tem a City Runners, que corre aqui perto do centro de São Paulo, que eu gosto muito porque a gente ocupa as ruas do Centro. Normalmente as nossas corridas são de noite e é muito gostoso estar em grupo correndo pela Sé, pela Liberdade, pelo MASP e pela República, assim a áurea de um lugar perigoso acaba saindo”, conta.
Ele também faz parte do Project Run, uma crew que valoriza a inclusão de pessoas pretas na corrida, e isso fortalece ainda mais seu envolvimento com o esporte.
Arthur também foi responsável por converter vários amigos para a corrida. “Hoje, todos correm comigo. Temos um grupo que treina e participa de provas juntos.”, afirma.
A Dependência Saudável da Corrida
O impacto emocional da corrida é outro fator que atrai cada vez mais jovens. Tanto Edvan quanto Arthur e Camilly admitem que a corrida se tornou uma parte essencial do seu bem-estar. “Se estou em um dia difícil, a corrida é meu escape. Já me sinto dependente dela para ficar bem”, diz Arthur. Edvan complementa: “Hoje não sinto falta do meu estilo de vida anterior.”
O Futuro: Mais Corrida, Menos Excesso
À medida que mais jovens percebem os benefícios tanto físicos quanto mentais da corrida, o esporte se torna uma escolha cada vez mais popular. Plataformas como Strava e Nike Run Club ajudam a fortalecer essa comunidade, conectando corredores de todo o mundo.
Com o aumento da conscientização sobre saúde mental e bem-estar, correr está deixando de ser apenas uma atividade física e se tornando um estilo de vida completo. Camilly relata sua rotina dedicada ao esporte: “Sou estudante de medicina, casada, e levo o esporte como algo a mais que um hobby. Para mim é um compromisso, então acordo em horários bem alternativos para dar conta de tudo, tipo umas 3am”.
Se você está pensando em trocar as baladas por corridas ao ar livre, saiba que está em boa companhia. Afinal, a verdadeira “onda” não está mais nos excessos, mas na superação dos próprios limites e no cuidado com a saúde.